Software sob encomenda e tributação

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O sistema tributário brasileiro para taxação sobre bens de consumo é uma das mais inconvenientes possíveis. O mundo todo – e o próprio Brasil à um tempo atrás – taxa bens e serviços utilizando o IVA (imposto sobre valor agregado), porém no nosso país, houve a divisão desse um imposto nas três esferas federais: ICMS para estados, ISS para municípios e IPI, CIDE’s, PIS/COFINS para a união. Percebe-se que houve uma infeliz opção política em fatiar um único imposto em cinco.

É por causa dessa enfadonha repartição de competências tributárias que existem as guerras fiscais entre estados e municípios, também é causa de inúmeras discussões judiciais além de criar um sistema pesado para fiscalização por parte do estado e de contabilidade para cumprir com as obrigações legais por parte do contribuinte. Percebem-se os erros dessa escolha no advento de um novo produto no mercado, em que os entes tributantes na ânsia por arrecadação acabam por cometer injustiças tributárias e prejudicando a segurança jurídica.

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Com o progresso da tecnologia, serviços e produtos que não existiam são entregues para o consumidor. E com isso, a busca pela tributação desses novos serviços na economia se torna objeto de disputa entre os entes federados, ainda mais quando esse novo produto não é obviamente ou claramente identificável como “produto” ou “serviço”. O mais novo campo de busca de tributação, hoje, é sobre software e sobre a economia da internet das coisas ou “IOT”, na qual Estados e Municípios buscam tributar suas transações. No início da exploração de softwares, antes mesmo da internet, a disputa centrou-se na tributação do daquele vendido em varejo por meio de uma mídia física, chamado “de prateleira”.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal encerrou este debate inicial no recurso especial nº 176.626-SP, no qual foi mantida a já conhecida divisão entre software sob encomenda, sujeito ao ISS (pois é majoritariamente prestação de serviço), e software de prateleira, sujeito ao ICMS (pois é majoritariamente a venda de um produto acabado), este produzido em escala comercial para atender o público consumidor em geral.

Com o passar do tempo e o aprimoramento da internet nova modalidade de negociação do software de prateleira passou a ser praticada pelo mercado. O conteúdo que, antes, era vendido quase sempre em mídia física (CD), hoje, passou a ser comercializado e entregue ao usuário por meio de transferência eletrônica de dados – download.

A discussão ainda não definida tem como objeto verificar se esse download trata-se de um novo fato: deixando de ser operação de mercadoria por não haver mais a mídia física ou se o download é apenas mais um meio de distribuição do software enquanto mercadoria que antes era comercializado via CD. Mais uma vez o STF foi provocado, agora pela Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 1945-MT, ainda pendente de julgamento.

No ano de 2015, o Confaz (conselho nacional de política fazendária) publicou o Convênio ICMS nº. 181/2015 que autorizou os estados a concederem redução de base de cálculo de ICMS específica nas operações com software, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, de modo que a carga tributária efetiva correspondesse ao percentual de no mínimo 5% (cinco por centro) do valor da operação, inclusive nas operações efetuadas por meio da transferência eletrônica de dados, o download.

Assim, ao conceder um benefício fiscal, indiretamente, parte-se da premissa de que a operação com software de prateleira, seja ele vendido em meio físico, seja vendido via download, é fato gerador do ICMS e por conseguinte visto pelo fisco como uma mercadoria pronta, assim como um celular ou sofá.

Enquanto isso, a realidade tecnológica avança sem parar e o mercado estabelece a prática de comercializar o software através da internet. Nesta modalidade, o usuário não tem acesso ao software propriamente dito. O acesso ao software passou a ser obtido por meio da internet, geralmente pelo navegador web do cliente, em que o consumidor apenas utiliza das facilidades ou serviços desse.

O software, então, é instalado em infraestrutura denominada “nuvem” (que consiste em um servidor físico localizado em algum lugar do mundo, não existe realmente uma nuvem) e disponibilizado acesso remoto ao usuário. Esta modalidade de fornecimento de software é denominada pelo mercado de “Software as a Service – SaaS”, ou software como serviço.

Para aumentar a discussão, o Município de São Paulo, um dos locais mais importantes para esse mercado, publica o Parecer Normativo SF nº 01/2017 com a finalidade de “uniformizar a interpretação acerca do enquadramento tributário dos negócios jurídicos” envolvendo software, seja por meio de suporte físico ou por transferência eletrônica de dados (download), seja comercializado via SaaS (Software as a Service).

O parecer normativo inclui todas estas modalidades de negociação envolvendo software no tipo de comércio sujeito ao imposto sobre serviço, enquadrando-se, no subitem 1.05 da lista de serviços da Lei Complementar 116/2003 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.

Sem chegar nem perto do objetivo de uniformizar interpretação, o parecer do município de São Paulo incentivou mais confusões, pois inseriu como serviço tributável por ISS o denominado “software de prateleira”. O que contraria a definição do STF no julgamento do recurso especial nº 176.626-SP, que já afirma o serviço para software via download como incidente de ICMS1. Entrando, a disputa com os Estados e o Convênio nº 181/2015 com os municípios centra-se no enquadramento do SaaS pelo como negociação de uma licença de uso, algo ainda sujeito a análise, nesse caso, cabível o ISS e perecendo o ICMS. No entanto, referido Parecer Normativo ainda causa perplexidade na intenção de tributar por ISS o software elaborado sob encomenda por uma suposta existência de licença de uso, conforme dispõe seu artigo 2º.

Como percebe-se, este tema não se trata exatamente de conflito de competência com os Estados e os municípios, é relevante e vem gerando confusões em nossos tribunais23 e, além disso, teve sua repercussão geral reconhecida pelo STF no RE 688.223-PR. Assim é necessário que o STF defina rapidamente como devem ser encarados a comercialização dos softwares em todas suas modalidades a fim de criar a segurança jurídica necessária para os empresários e evitar uma bitributação de ICMS e ISS sobre o mesmo fato gerador.

Licença de uso:

Licença de uso ou cessão de direito de uso de programa nada mais é do que um contrato vinculado ao direito de propriedade intelectual. Dessa forma, tributar com ICMS a licença de uso de software produzido sob encomenda não é uma contradição completa, tendo em vista que o direito autoral do software produzido sob encomenda é, via de regra, do próprio encomendante, conforme o disposto no art. 4º da Lei 9.609/1998.

Assim, nos casos de software por encomenda, não há licença de uso envolvida, pois, o direito autoral é do próprio usuário-encomendante, ou seja, do contratante da encomenda. Não há sentido em pretender tributar por ISS a licença de uso do software por encomenda se tal licença é inexistente.

Cabe ressaltar, por oportuno, que é possível uma estipulação em contrato prevendo que o direito autoral do software seja do prestador de serviço e não do encomendante tomador do serviço. Nesse caso, haverá uma licença de uso prevendo os termos e as condições de uso do software pelo encomendante. Com isso, não é a licença de uso que é o fato da tributação, mas sim a encomenda feita para a elaboração de um programa de computador sob medida (serviço, assim como a pintura de uma casa). A encomenda é o fato tributável e neste caso se está diante de uma nítida prestação de serviço, que é a elaboração de um software para um consumidor singular, mas é necessário reforçar que esse enquadramento se dá porque não há licença de uso envolvida, se assim fosse seria caso de mercadoria tributável pelo ICMS;

A encomenda de software representa uma prestação de serviços, mas sua incidência deve ser devidamente classificada. Portanto, software por encomenda é sim uma prestação de serviços, sujeita ao ISS, mas por ser inserido no subitem 1.04 da lista de serviços anexa à lei complementar 116/2003 (regulamento do ISS), recentemente alterado pela Lei Complementar 157/2016, que contempla a prestação de serviços para a elaboração de programas de computadores.

A presente confusão deve ser resolvida para afastar a insistência de múltiplos tributos sobre o serviço de elaboração de software por encomenda considerando a licença de uso – item 1.05 da lista anexa do regulamento do ISS, o que prejudica tanto a arrecadação da administração pública quanto o planejamento e segurança jurídica dos contribuintes. Software sob encomenda não possui uma licença de uso envolvida, na medida em que, de regra, a titularidade do direito autoral do software resultante desta encomenda é do próprio contratante.

1o que ainda não foi definido pelo mesmo tribunal na ação declaratória de inconstitucionalidade nº1.945

2Apelação nº 1030045-83.2015.8.26.0053. Rel. Des. Ricardo Chimenti. Publicação 19/05/2017

3 EDcl no AgRg no AREsp 32.547/PR, rel. Min. Humberto Martins, DJe 19/12/2011

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